3 de abril de 2013

Daniel Matador: Tijolo não revida




Caros

Quase todo mundo deve estar se empanturrando até agora com os chocolates da Páscoa. E vai continuar por mais alguns dias. Minha esposa é uma chocólatra inveterada, algo até meio estranho para alguém que trabalha como personal trainer. De minha parte, refinei mais meu gosto com o passar do tempo. Por incrível que pareça, reduzi naturalmente a quantidade de chocolate consumida, ao mesmo tempo em que acabei substituindo os chocolates comuns por chocolates importados do tipo meio-amargo. Tenho conseguido uns chocolates alemães e chilenos espetaculares, que deixam essas barrinhas meia-boca nacionais no chinelo e custam praticamente a mesma coisa (às vezes são até mais baratos). Dizem que a idade faz esse tipo de coisa. A gente passa a ter novos paladares e a apreciar coisas que não apreciávamos quando mais jovens. Me acostumei tanto com o chocolate meio-amargo que agora os demais são sem graça. O futebol é assim também; não é totalmente doce. Mas só quando se tem a experiência necessária a gente entende algumas coisas que não entendia quando mais jovem.

Quando eu era bem guri tive uma experiência quase transcendental. Assisti no cinema, naquela telona enorme de uma sala em Tramandaí, a um clássico da pancadaria dos anos 80: O Grande Dragão Branco, o filme que deu projeção mundial a Jean Claude Van Damme. O protagonista é um lutador que participa de um obscuro torneio de artes marciais, onde enfrenta os lutadores mais barra pesada do mundo todo. Porrada coreografada pra todo lado, coisa mais linda de ver. Melhor que isso só os quebra-paus da época entre a galera da Rio Branco com o pessoal da São Luiz, lá em Canoas. Pra gurizada que tinha achado o máximo o Mestre Miyagi ensinando ao Daniel San como aplicar o golpe da garça, ver Frank Dux vencer o mítico Chong Li sem poder enxergar era algo fora do normal. Grande atuação de Bolo Yeung, um dos maiores artistas marciais de todos os tempos.

No início do filme há uma cena antológica. Dux e seu colega Jackson chegam ao local do torneio de artes marciais para efetuar a inscrição. Para confirmar que ele é um representante do clã Tanaka, visto que não tem traços orientais, os juízes lhe pedem para demonstrar o característico “Golpe da Morte”. O tal golpe nada mais era do que o conhecido truque de quebrar um tijolo com a mão. Só que, neste caso, o tijolo que deveria ser quebrado não era o que estava em cima da pilha, mas sim o último, sem destruir os demais. Todos os lutadores que estavam treinando param o que estão fazendo para ver a demonstração. Com um golpe certeiro, o último tijolo da pilha se espatifa, os demais ficam intactos e ouvem-se palmas e gritos de admiração. Até que Chong Li, o vilão da história que também estava assistindo, profere a clássica frase: “Muito bom; mas tijolo não revida”.

Há alguns anos atrás esta frase poderia ser utilizada para exemplificar os jogos do Grêmio pelo ruralito. A diferença entre os esquadrões tricolores e as equipes do interior era abissal, como historicamente sempre foi. E quando vinha uma vitória com aparente tranquilidade, sem muita luta por parte de algum Pelotas ou Inter de Santa Maria, a análise não era muito complicada. Afinal, tijolo não revida. A diferença que temos visto, entretanto, é que nos últimos jogos quem tem feito o papel de tijolo é o Grêmio. Mesmo com times técnica e financeiramente inferiores, estas equipes têm batido, às vezes forte. E, ao invés de uma reação, o que se assiste é uma pacata aceitação do que se vê em campo. Não há a indignação e a consequente pressão por virar algum resultado adverso. Sequer ocorre alguma ação mais incisiva para aniquilar o adversário de uma vez, quando estamos ganhando e se apresenta a famosa “bola do jogo”. Não importa se somos o primeiro tijolo da pilha ou o último, não há revide. Por mais que existam motivos para desdenhar do campeonato, não é bonito de ver.

A esperança ainda reside nos próximos jogos do regional, a fim de que possam mostrar um quadro diferente. Independentemente dos objetivos referentes a esta competição, o que se deseja sempre é uma equipe com gana de vencer, nem que seja jogo de chimpa “às brinca” (para quem nunca jogou chimpa, meus pêsames). Nem que o grupo que represente o tricolor em campo seja formado pelos reservas dos reservas, afinal não dá pra meter Ferrari em estrada de terra, nem tanto pelo carro, mas sim pelo que custou. Como meu pai dizia quando via este tipo de situação, não importa quem esteja fardando, neste tipo de jogo o cara tem que driblar meia dúzia, dar um pescoção no zagueiro, entrar com bola e goleiro pra dentro e sair batendo no peito, berrando “EU JOGO NO GRÊMIO”!

E que o grupo, do treinador ao lateral esquerdo reserva, se conscientize de que não enfrentaremos times-tijolo na Libertadores. Mesmo que sejam os Huachipatos ou Caracas da vida. Em um torneio destes, as equipes podem até apanhar. Nunca sem revidar.

Saudações Imortais