12 de novembro de 2013

Daniel Matador: Por uma cabeça

“Por una cabeza
De un noble potrillo
Que justo en la raya
Afloja al llegar,
Y que al regresar
Parece decir:
No olvidéis, hermano,
Vos sabés, no hay que jugar.”

(Trecho do imortal tango Por Una Cabeza, de Carlos Gardel, reproduzido em antológica cena do filme Perfume de Mulher)

Caros
Em todos os anos, no início da temporada futebolística, os anseios da torcida de qualquer clube grande resumem-se em um só: a conquista de títulos. Antes do advento dos pontos corridos, quando praticamente todas as competições possuíam fases de mata-mata, o Sobrenatural de Almeida (personagem criado por Nelson Rodrigues) era o fator que por vezes decidia torneios e sagrava campeões. Com o próprio Grêmio vivenciamos situações onde o sobrenatural fazia-se presente, aqui andando de mãos dadas com a propalada imortalidade gremista, dos Aflitos ao Maracanã. Após a adoção dos pontos corridos no Campeonato Brasileiro, e por conta da ação da rede de televisão que possui os direitos de transmissão dos jogos, criou-se outra figura interessante: o cavalo de corrida. A imagem dos cavalinhos percorrendo a pista remete à posição de cada clube na tabela do campeonato. Desde a manutenção até a perda da posição, quase todas as situações vistas no turfe são retratadas ali. Até mesmo a utilização dos termos “cavalo paraguaio” (para designar aquele que dispara no início, mas perde o fôlego ao final da corrida) e “pangaré” (para aquele que representa os clubes mais desprovidos de recursos, que invariavelmente não conseguirão grandes feitos no certame) fazem uma referência quase fiel ao que se vê nas canchas dos hipódromos.

Outra situação que por vezes é vivenciada na pista de turfe é a vitória “por uma cabeça”. Ela ocorre quando o cavalo vencedor cruza a linha de chegada poucos centímetros à frente do segundo colocado. Os primeiros versos do magistral tango Por Una Cabeza, do genial Carlos Gardel, mostram exatamente a situação do cavalo de raça que, mesmo após fazer uma excelente corrida, afrouxa o ritmo na reta final e acaba perdendo. A poesia das palavras do mestre Gardel, mostrando que a face do tordilho ao regressar parece querer dizer ao homem que havia apostado nele para não esquecer que não deveria estar jogando, é o retrato do que boa parte das torcidas vivencia ao final da temporada. Nem preciso dizer que a massa tricolor também padece deste mal. A cada ano as esperanças são infladas, seja pelo plantel que está sendo montado, pelo treinador que pode fazer a diferença ou a diretoria que pretende implantar uma gestão vencedora. Mais do que tudo isso, contudo, é a imensa fé que move a esperança da torcida. Como o apostador, que sabe que não deveria apostar, mas ainda assim o faz. E que, por vezes, tem de observar o cavalo que estava por vencer e iria torná-lo rico voltar e encará-lo com uma expressão de “tu sabias que não deverias jogar, pois isto poderia acontecer”.

Mas de nada importam os avisos. O futebol é algo que transcende os limites da razão. Por qual outro motivo a torcida de times como Atlético Mineiro ou Botafogo ficariam tanto tempo torcendo, mesmo com as décadas de insucesso e escassos títulos? O próprio Corinthians, que permaneceu na fila por anos até ganhar um título e só então partiu para grandes conquistas? O Santos de Pelé, que após sua saída só voltou a ganhar alguma coisa importante no milênio seguinte? Nem vou citar outros clubes ribeirinhos, que permaneceram por tanto tempo sofrendo bullying dos torcedores do rival mais vitorioso sem ter nada para rebater e sofrendo calados. Isto é ruim, porque pode causar amargor (temos tantos exemplos por aí). Entretanto, por maiores que sejam os fracassos e desilusões, amanhã será outro dia e veremos o verdadeiro torcedor na arquibancada novamente. Ganhando ou perdendo, é o futebol em si que o move para o estádio. Logicamente que os troféus são importantes, eles também constroem a grandeza de um clube. Mas enquanto existir a essência do futebol por si só, não veremos os verdadeiros clubes morrerem.

E por isso, e só por isso, é que também teremos milhares de gremistas na Arena nesta quarta-feira. Estamos todos escaldados por conta de um insucesso recente. Mas ainda buscamos um objetivo no campeonato, mesmo que não seja o título. A corneta burra do outro lado faz alguns tricolores desdenharem da busca por esta conquista menor, mas que pode significar vôos maiores no ano que vem, quando poderemos então renovar as esperanças. Quem puder, vá à Arena. Mesmo que não creia no sucesso do time ao final da temporada. A conquista de uma vaga para a Libertadores tem sim o seu valor. Mesmo que seja conquistada na rabeira. Mesmo que seja conquistada por uma cabeça.

Saudações Imortais