7 de maio de 2014

Cor de guri

* O texto abaixo foi enviado  pelo leitor Guaru

Há cerca de oito anos, eu tinha um circulador de ar que era a minha salvação. Aquele calor infernal pedia um ar condicionado. Mas o baixo salário do meu primeiro emprego na época não me permitia nada melhor. Era o vento abafado ou nada. Ficava com o primeiro.
Em uma noite daquele verão, o calor era insuportável. Minha esposa e eu tínhamos recém começado a namorar. Rachávamos uma cama de solteiro. E aquele circulador de ar resolveu fazer um barulho estridente e constante. Não daria para dormir assim. Mas também não daria para desligá-lo. Resolvi consertar.

Peguei a caixa de ferramentas. Desmontei, limpei, lubrifiquei e remontei. Em quinze minutos e litros de suor depois: voilà. Liguei o circulador e o barulho piorou. Nunca tive muita paciência. Mas era início de namoro. Respirei fundo e refiz o serviço. Desta vez mais meticuloso. Usei até pincel para lubrificar onde não alcançava o pistão (será esse o nome?). Enfim, meia hora depois e absolutamente encharcado em suor liguei novamente o ventilador. O barulho parou. A-há. Pronto, sou o rei do conserto. Não tive tempo sequer de resenhar sobre meus dotes técnicos. O maldito resfolegar daquela engenhoca voltou a ressoar.

Perdi a compostura. Acho que foram uns 15 chutes. Não sobrou nada das hélices. No segundo chute eu já havia cortado meu pé. Não dei importância. Aquele maldito circulador iria pagar pela minha incapacidade técnica.
Minha namorada não foi embora. Não sei como. Mas não foi.
O evento me fez pôr em prática duas coisas:
1 – Deveria casar com aquela mulher. Ela viu uma face horrível minha que sequer eu mesmo conhecia e permaneceu ali. Serena.
2 – Eu não deveria nunca mais tentar consertar nada. Não nasci pra isso. Tenho duas mãos esquerdas.
A tese que criei: Não tenho porque fazer algo cuja eventual frustração me trará dano superior ao benefício que o sucesso da ação alcançaria.

Semana passada, o Grêmio nos frustrou novamente. Mais uma vez. Nunca quebrei nada por causa do Grêmio. Exceto na final da Libertadores de 2007. Mas foi acidente. Sério.
Perguntei para mim mesmo o porquê de tamanha frustração: 
- Cara, desliga desse time, vai assistir um seriado. Não aprendeu a lição com o ventilador?

Busquei a resposta no passado. Lembro que em 1992 eu tinha oito anos. O Grêmio estava na 2ª divisão. Meu pai era gremista. No passado era praticante, ia a estádio até ser alvo de uma bexiga com urina. Os tempos não eram dos melhores. Ele me perguntou para que time eu torceria: Grêmio ou Inter?

- Qual que é o azul? - perguntei

- O Grêmio. - ele respondeu.

- Então vou torcer para o Grêmio.

- Por quê? - ele questionou.

Eu poderia ter dado diversas explicações. Poderia dizer que o Grêmio era campeão do mundo. Que seria legal se eu e ele torcêssemos para o mesmo time. Como de fato foi, pelo curto período em que tive privilégio de conviver com ele antes de sua morte.

Mas não era isso. Eu fui sincero:

- Porque vermelho é cor de guria.

Quando escolhi ser gremista, as glórias não importaram. A frustração de perder é, em sentido oposto, de tamanho análogo à euforia da vitória. Mas não são esses fatores que devem entrar na equação.
Quando algo quebra em casa hoje, tenho de pedir para outra pessoa consertar. Normalmente peço para minha esposa. Minha mulher é bem melhor do que eu nisso. Não tenho orgulho em admitir. A mim, além de apontar o defeito, resta torcer para que ela conserte.
É o que nos resta: apontar os defeitos e torcer para que consertem nosso Grêmio.