4 de março de 2015

Cesar Cidade: Migué do Craque

Uma das coisas que mais me impressionam em futebol, é a falta de maturidade de muitos jovens que escolhem essa carreira como profissão. Conseguir fazer parte do elenco profissional de um time  grande é mais ou menos como acertar sozinho na mega-sena. Mas isso exige muitos sacrifícios e dedicação. É preciso um diferencial, como ter personalidade forte e ambição, por exemplo. Além do  talento, o jovem precisa principalmente de cabeça boa e muito foco nos seus objetivos. É muito fácil jogar fora uma carreira que poderia ser promissora.
Abaixo reproduzo o texto de César Cidade Dias, ex-dirigente do Grêmio, que conta uma de suas  aventuras administrando a categoria de base. Uma boa ilustração de como funciona o mundo na cabeça dos adolescentes.
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"Migué" do craque
 Cesar Cidade Dias


A história de hoje é a verdadeira tragédia cômica da vida de um dirigente de futebol. Na época eu era dirigente das categorias de base do Grêmio. Estávamos em época de pouco dinheiro e o time júnior do clube estava sem calendário, fazendo partidas amistosas pelo interior do estado e por Santa Catarina. O jogo do final de semana era em Campos Novos, no interior catarinense, a cerca de 8 horas de ônibus. Ou seja, uma indiada daquelas fortes. Mas, pelo Grêmio, tudo é válido.

Na sexta-feira, fazíamos um treinamento em Eldorado de preparação para o tal amistoso. Tínhamos no time alguns jogadores que viriam a se transformar em craques e tínhamos alguns craques que iriam se transformar em pagodeiros. Um dos nossos principais jogadores que, mesmo jogando muito (e jogava de verdade), já estava deixando de trabalhar para se dedicar as coisas normais da sua idade (mulheres, festas, bebida, etc...) e nós estávamos muito preocupado com ele.

Durante o treino, o nosso "craque" deixou o campo alegando uma dor muito forte na coxa esquerda. Médico, massagista e treinador saíram correndo para socorrer o jogador. O treino terminou e nós fomos conversar sobre o que faríamos. O médico, meu querido amigo, disse claramente:

- Cesar, com toda a responsabilidade, pra mim essa lesão é um "migué" daqueles. Ele não quer viajar e inventou essa história.

Deixamos Eldorado e voltamos para o Olímpico. Durante o retorno eu vim pensando no que fazer. Falei com o treinador, que também tinha tido a mesma impressão e, então, resolvi ser radical e criei uma loucura.

Decidi entrar no jogo dele. Chamei o jogador e disse:

- Estamos muito preocupados contigo. Vamos te levar com urgência para uma emergência e fazer um exame porque o teu caso deve ser grave. Falei com o médico e ele está muito preocupado.

Na época, o Grêmio tinha convênio com uma clínica próxima ao estádio Olímpico. Montamos todo o quadro e levamos o craque. Obviamente, nas lesões musculares, os exames são mais específicos e precisam de um prazo para serem feitos. Como tínhamos uma idéia de tentar "desmascarar" o nosso jogador, simulamos um exame.

Chegando ao Olímpico, mandamos o jogador para a sala de fisioterapia e deixamos ele esperando lá por cerca de uma hora. Neste período, eu, o médico e o treinador montamos o plano. A idéia era falar que o exame tinha assustado e que ele teria que engessar as DUAS pernas. O médico, por razões éticas, disse que não poderia participar disso. Logicamente, eu e o treinador compramos a bronca.

Entramos na sala de fisioterapia com cara de velório. Eu me sentei em um pequeno banco ao lado da maca e o treinador, com duas talas gigantes que serviriam para engessar as duas pernas nas mãos, sentou-se ao lado dele, na maca. Eu, então, comecei o discurso:

- Craque, é o seguinte. Tu precisa ser forte. O exame nos assustou muito. Tu tem lesões graves e o médico está avaliando o que fazer.

O jogador, de pronto, olhando para as duas talas, perguntou:

- Diretor, essas talas são pra quê?

Respondi:

- Parece que o pessoal vai ter que engessar as tuas duas pernas. O negócio foi feio mesmo.

E aí, veio a surpresa. O jogador, com a mesma cara, nos disse:

- Desculpa pessoal, devem ter trocado o exame. Eu não tenho nada, não estou sentindo nada. Fiz de conta para tentar não viajar porque amanha tem uma festa aqui perto e eu não queria perder. Podem me punir.
Saímos da sala em silêncio, com cara de poucos amigos. Caímos na risada logo após. Logicamente, levamos o nosso craque para Campos Novos e ele ficou no banco, jogando poucos minutos.
Esse jogador, como muitos com a mesma idade, tomou outro rumo e tem uma boa vida. Tenho boa relação com ele até hoje e damos risada quando lembramos desta história.
 Eu costumo dizer que para ser jogador de futebol é preciso muito mais que talento. Eu respeito muito todos que chegaram porque sei do esforço que tiveram e da dificuldade que é estar onde estão. Futebol é para poucos. Por isso, pensem duas vezes na hora de menosprezar ou diminuir um jogador de futebol profissional.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perguntem no Café Aquáriu´s, em Pelotas, qualquer tipo de opinião a respeito deste cidadão. Mas, caso estejam acompanhados de crianças, não as deixem escutar as respostas. Os torcedores do "Lobão" querem arrancar sei fígado e dar para o Jorge Bopp(seu gerente de futebol no clube) comer ainda metabolizando. Estes dois quase quebraram o Pelotas( e mais alguns estabelecimentos comerciais...)