23 de abril de 2016

Há algo no Reino da Dinamarca - Parte 2

Como vimos na primeira parte desta matéria, após incomum demora em marcar-se o julgamento, William foi enquadrado no parágrafo mais favorável do código disciplinar . Deveria ter sido denunciado por lesão corporal grave, porém foi por agressão física, cuja pena inicial é a metade da atribuível ao caso. Pequenas ~desatenções~, ~descuidos~. Mas o grande lance anida estava por vir.

O trâmite normal de processos, após o julgamento, é a publicação do acórdão. Com isso, abrem-se para as partes os prazos para embargos e recursos. O SCI deu-se por intimado, inciando a contagem dos seus prazos e entrou com embargos antes de se iniciar a contagem de prazos para o Grêmio e para a Promotoria. Paralelamente, entraram com cautelar inominada para o Pleno, alegando demora no julgamento dos próprios embargos, pedindo efeito suspensivo. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido, tendo por justificativa de que deveria ser feito no recurso. Assim, a primeira jogada não prosperou.

Na sequência, o SCI entrou com recurso. Aqui, entra em campo a Dinamarca de Hamlet. A boa condução do caso recomendaria que o recurso do SCI fosse mantido em espera, aguardando os recursos do Grêmio e da Promotoria. Assim sendo, a análise do mesmo teria a manifestação de todas as partes interessadas, guardando equilíbrio. Mas assim não foi. O prazo para recurso do Grêmio venceria no dia 18/04, e o prazo da Procuradoria sequer iniciara, pois esta ainda não havia sido intimada.

No dia 14/04, estando os autos incompletos, o presidente do TJ avocou o recurso para si e despachou, determinando o sorteio de um relator, para analisar o novo pedido de efeito suspensivo.

O julgamento se deu na 1ª Comissão Disciplinar. Atentemos ao que diz o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, nos Art. 138, 138-A, 138-B e 138-C.


Atropelando o Art. 138-A: O órgão que expediu a decisão foi a 1ª Comissão Disciplinar. Cabia ao seu Presidente encaminhar os autos à instância superior (no caso, o Pleno do TJ). Obviamente, os autos seguiriam ao Pleno, após a manifestação de TODAS as partes. Na Dinamarca Hamletiana os recursos das outras partes não eram relevantes quando o processo foi avocado.

Atropelando o Art 138-B: Não foi feita análise prévia dos requisitos recursais (admissibilidade do recurso). A lembrar que o processo não continha as manifestações da Promotoria e do Grêmio.

Atropelando o Art. 138-C: Houve sorteio do relator (por coincidência, o sorteado foi um ex-conselheiro do SCI, que se licenciara para assumir o cargo no Tribunal). NÃO foi designada sessão de julgamento. NÃO foi determinada a intimação das partes. Autos NÃO foram oferecidos à vista das demais partes.

Tendo tomado conhecimento de tamanha vivacidade, o Jurídico do Grêmio, em busca de justiça, recorreu ao STJD. O trabalho dos nossos advogados foi brilhante e o despacho daquele Tribunal é um libelo contra a esperteza. Leiam a íntegra do despacho abaixo. Os grifos são do blog.

O art. 88 do CBJD dispõe que “conceder-se-á mandado de garantia sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação em seu direito líquido e certo, ou tenha justo receio de sofrê-la por parte de qualquer autoridade desportiva”. No caso, pois, o impetrante apresentou diversos elementos que indicam que o Presidente do TJD/RS teria atuado de modo ilegal ou com abuso de poder, demonstrando, o impetrante, que corre sérios riscos de violação de seus direitos em decorrência da manutenção do ato impetrado.

Como se sabe, a demonstração do direito líquido e certo, em sede de mandado de garantia, por não admitir dilação probatória, reclama a prova pré-constituída, o que foi perfeitamente atendido pelo impetrante.

Como já mencionado no Relatório, estou convicto, pelo menos neste juízo sumário, porque demonstrado através de documentos pelo impetrante, de que a autoridade impetrada violou o art. 138-A, do CBJD, na medida em que foi insolente em tomar conhecimento do Recurso Voluntário e o remeter à instância superior, tendo cuidado apenas de apreciar o efeito suspensivo.

Além disso, tenho que, à luz do que consta nos autos, o efeito suspensivo concedido ao atleta do Internacional pela autoridade impetrada, pelo menos neste juízo liminar, foi totalmente despropositado, dada a gravidade da falta; há laudos que comprovam o dolo do agressor na falta, bem como a elementos que indicam que o agredido ficou mais de 30 dias se recuperando da lesão causada pela infração.

Assim sendo, penso que seja plausível o deferimento da liminar requerida, eis que, de fato, constato que o Presidente do TJD/RS recebeu o Recurso Voluntário do Internacional à revelia dos artigos 138, 138-A, 138-B e 138-C, do CBJD, dado que avocou arbitrariamente para si o processo (sem qualquer manifestação da 1ª Comissão Disciplinar neste sentido) e encaminhou ao relator para apreciação do efeito suspensivo ainda na fluência dos prazos para as demais partes.

Isso posto, DEFIRO a liminar para suspender o ato do Presidente do TJD/RS que encaminhou ao Relator o Recurso Voluntário do Internacional, bem como suspendo o efeito suspensivo concedido em benefício do atleta de mencionado clube, em razão da extrema gravidade da infração, e que o Recurso Voluntário tenha o devido trâmite na Comissão Disciplinar do referido Tribunal.
De Fortaleza para o Rio de Janeiro, em 16 de abril de 2016.

CAIO CESAR ROCHA
Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva

A fundamentação do despacho acima deixam a nu a ocorrência de uma monumental tentativa de favorecimento a um dos disputantes do Gauchão. Abortou-se no STJD um escândalo, cujo objetivo prático era ludibriar a decisão da 1ª Comissão Disciplinar, eximindo o agressor de cumprir a pena imposta, ainda que branda para a ação praticada.

Como costuma acontecer, afora a notícia de que o jogador tivera cassado o efeito suspensivo, pouco se repercutiu nas mídias sobre a manobra engendrada. Por isso, o blog faz mais este registro, para pontuar, uma vez mais, como certas coisas são tratadas no futebol gaúcho.